Pesquisadoras atuando no litoral do Paraná se tornam referência em estudos sobre a costa brasileira e fortalecem políticas públicas de conservação.
Camila Domit trabalha na proteção das tartarugas-marinhas, Cassandra Metri estuda a resiliência dos manguezais frente às mudanças climáticas e Fernanda Possatto avalia os impactos da contaminação de microplásticos no mar.
Um grupo de cientistas brasileiras vem se destacando na pesquisa e proteção da biodiversidade marinha e costeira no país. Inspiradas pelo primeiro contato marcante com o oceano, elas são hoje referências em suas áreas e lideram ações que combinam pesquisa científica, conservação ambiental e participação em políticas públicas.
Camila Domit, coordenadora técnica das ações com tartarugas-marinhas; Cassiana Baptista Metri, responsável pelos estudos sobre fauna de manguezal; e Fernanda Possatto, coordenadora de pesquisas sobre microplástico, integram o Programa de Recuperação da Biodiversidade Marinha (Rebimar), patrocinado pela Petrobras e pelo governo federal.
Com linhas de pesquisa variadas, as cientistas monitoram a dinâmica dos ecossistemas costeiros e marinhos na interface com a Mata Atlântica. Seus estudos sobre comportamento da fauna e da flora, aliados à atuação em projetos de educação ambiental e à formulação de políticas públicas, vêm garantindo avanços na conservação do litoral paranaense.
A importância desses esforços é reforçada por dados globais. A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que cerca de 3 bilhões de pessoas dependam diretamente da biodiversidade marinha e costeira para sobreviver. O valor agregado estimado do mercado de recursos marinhos até 2030 é de U$ 3 trilhões, segundo relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), responsável por 5% a 6% da economia global real e 40 milhões de empregos diretos.
Sem a preservação dos oceanos, não apenas o clima global é ameaçado, mas a sobrevivência humana também sofre impactos diretos. Mais da metade do oxigênio do planeta é produzido pelos oceanos, que ainda armazenam 50 vezes mais carbono do que a atmosfera e regulam o clima terrestre ao transportar calor entre diferentes regiões.
Além de gerarem dados científicos essenciais para a conservação, as pesquisadoras também promovem a valorização dos territórios costeiros e das práticas culturais tradicionais associadas a esses ecossistemas.
Camila Domit: uma vida dedicada à proteção dos animais marinhos

Tartarugas, tubarões e raias são apenas alguns dos colegas de trabalho de Camila Domit. Especialista em conservação de ecossistemas e biodiversidade marinha, ela atua em projetos de pesquisa e monitoramento de fauna e participa de redes e fóruns nacionais e internacionais, como a delegação brasileira no Comitê Científico da Comissão Internacional Baleeira e os grupos de trabalho da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN).
“Tenho uma foto com seis meses de idade na praia onde trabalho hoje. A minha conexão com a região existe desde a infância”, conta Camila, que cresceu inspirada pelo tio, biólogo e ex-superintendente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Foi entre o fim da graduação em Ciências Biológicas e o início do mestrado que ela decidiu seguir carreira na conservação marinha.
Atualmente, Camila coordena pesquisas com tartarugas-verdes (Chelonia mydas) na Ilha das Cobras, na Ilha do Mel e em outras áreas costeiras do Paraná. As ações incluem captura, marcação, soltura de animais, análises de saúde e uso de rastreadores para avaliar comportamentos e a exposição a impactos ambientais.
“As tartarugas fazem parte da minha vida desde meu estágio no Projeto Tamar, ainda na época da universidade. Me apaixonei, elas chegaram na minha vida e nunca mais saíram”, diz.

As tartarugas, explica Camila, funcionam como sentinelas ambientais, fornecendo informações sobre a saúde dos oceanos. Apesar de sua resiliência evolutiva — estão no planeta desde o período Jurássico —, hoje sofrem os efeitos cumulativos das atividades humanas. “Mesmo com toda essa resiliência, os impactos das atividades humanas se acumulam a tal ponto que as tartarugas estão respondendo de forma negativa”, afirma.
Cinco das sete espécies de tartarugas-marinhas existentes no mundo desovam no litoral brasileiro. Com exceção da tartaruga-verde, reclassificada como “quase ameaçada” na Lista Oficial das Espécies Brasileiras Ameaçadas de Extinção, todas as outras estão ameaçadas. A tartaruga-oliva (Lepidochelys olivacea) e a tartaruga-cabeçuda (Caretta caretta) são consideradas vulneráveis, a tartaruga-de-pente (Eretmochelys imbricata) está em perigo e a tartaruga-de-couro (Dermochelys coriacea), criticamente em perigo.
“Para mim, esse é um grande desafio. Como pode um animal que está no planeta há muito mais tempo que os humanos estar ameaçado por nossas ações? O que podemos fazer para garantir que esses animais continuem habitando os oceanos?”, questiona.
Apesar do cenário crítico, um estudo publicado no periódico Endangered Species Research, em 17 de abril, apontou que, na maioria das regiões onde são encontradas, as populações de tartarugas ameaçadas mostram sinais de recuperação. O estudo analisou 48 populações destes animais e mediu os impactos de ameaças como caça, poluição, desenvolvimento costeiro e mudanças climáticas.
No entanto, a pesquisadora destaca que as medidas de conservação das espécies e dos ecossistemas precisam ser aprimoradas. Segundo ela, o licenciamento ambiental deve ser tratado como um processo integrado, considerando o histórico e as interações entre ecossistemas, e não como se as áreas fossem neutras ou sem conflitos.
Apesar dos desafios, Camila se sente motivada a seguir atuando na conservação dos animais marinhos. “O que me motiva é saber que existe um mundo de biodiversidade que não tem como falar por si. Quando a gente pesquisa, ganha essa missão de falar pelas espécies”, diz. “Além da ciência, estou em uma missão de vida. Cada vez que atendo uma tartaruga, um golfinho ou uma ave marinha, o olhar desses seres é muito poderoso. Eles nos acompanham com o olhar e precisamos agir por eles”, conclui.
Cassiana Metri: ciência e vida entre os manguezais

O manguezal é a segunda casa da bióloga Cassiana Baptista Metri, mestre e doutora em Zoologia. A pesquisadora se dedica à conservação e avaliação desses ambientes úmidos, estudando como são impactados pela atividade humana. Além dos manguezais, Cassiana é referência no estudo do caranguejo-uçá, espécie mais comercializada e consumida no Brasil, segundo o Ibama.
A paixão pelo oceano surgiu ainda na infância. “Quando criança, sonhei que via uma grande cauda de baleia surgindo e depois desaparecendo na água. A imagem ficou marcada em mim; era como um arrebatamento, uma emoção muito forte”, conta. Já o interesse pelos manguezais veio anos depois, na universidade, ao descobrir um livro de fotografias sobre o tema. “As imagens eram incríveis: as raízes submersas, peixes nadando em águas cristalinas. Achei mágico imaginar uma floresta dentro do mar. Mas só fui trabalhar de fato com manguezais cerca de 15 anos depois.”
Desde 2018, Cassiana acompanha fragmentos de manguezal em Paranaguá, no litoral do Paraná. As pesquisas revelam a alta capacidade de regeneração desses ecossistemas. Em Paranaguá, o segundo maior porto do Brasil, onde ficam áreas bem preservadas da Mata Atlântica em meio a vastas extensões de manguezal, a cientista encontrou seu campo de trabalho ideal. “Quando cheguei aqui, senti que era minha chance de finalmente trabalhar com mangue. Desde então, não tirei mais o pé da lama.”

Ela explica que trabalhar em manguezais exige cuidados. “Tem que planejar para ficar pouco tempo, entender as marés e observar o tempo”, diz.
O Brasil abriga aproximadamente 14 mil km² de florestas de mangue, segundo o Atlas dos Manguezais do Brasil, publicado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) em 2018. Isso coloca o país como o segundo com maior extensão de manguezais no mundo, com 12% do total, atrás apenas da Indonésia.
Ecossistemas essenciais para a vida marinha, as comunidades costeiras e o clima global, os manguezais servem como berçário para espécies diversas, protegem a costa da erosão e sequestram carbono da atmosfera. Um estudo publicado na revista Nature Communications, em março de 2024, aponta que reduzir a perda de manguezais no Brasil pode ter impacto significativo na mitigação das mudanças climáticas. Manguezais da Amazônia apresentam estoques de carbono da ordem de 468,3 toneladas por hectare — capacidade entre três e vinte vezes maior do que a de outros biomas terrestres brasileiros, inclusive a própria floresta amazônica.
Apesar da importância, metade dos manguezais do mundo corre risco de colapso até 2050, segundo levantamento da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). Quase um quinto dos manguezais (19,6%) está em situação de ameaça severa. As principais causas são o aumento do nível do mar, mudanças climáticas, eventos extremos como tempestades e ciclones, além do desmatamento, expansão urbana e poluição.
No Brasil, estudo da Universidade Federal do Pará (UFPA), Instituto Tecnológico Vale (ITV) e Soluções em Geoinformação (Solved) mostra que os manguezais das regiões Sul e Sudeste perderam 34 km² de cobertura em oito anos — uma queda de 4% no total do ecossistema, com Sul e Sudeste como regiões mais afetadas.

Cassiana ressalta que, embora a vegetação de mangue ainda esteja de pé em muitas áreas, a contaminação é generalizada, especialmente nos caranguejos. “Em um estudo que fizemos em nove manguezais, todos apresentaram níveis de contaminantes acima dos limites seguros, especialmente de mercúrio e chumbo”, afirma. Segundo ela, a proteção física das áreas não impede que a água leve poluentes até os mangues. “Não há como controlar o que chega pelas águas. Isso reflete a degradação da costa brasileira como um todo.”
A fauna marinha também sofre os impactos. “Os animais que am parte da vida no manguezal terão presença de contaminantes no corpo. As outras espécies, que se alimentam deles, vão acumular essas substâncias em escala. Assim como tubarões e golfinhos, o homem é um consumidor de topo de cadeia, e se alimenta dentro desse processo”, explica Cassiana.
Ela destaca ainda que, apesar dos desafios para a preservação, as comunidades tradicionais têm uma forte relação com esse ecossistema. “Os caiçaras reconhecem sua importância e expressam isso com frequência. Os mangues têm uma forte identidade com a cultura local”, diz. Por isso, na região, o foco da educação ambiental é promover boas práticas e conscientizar principalmente quem vem de fora e desconhece o valor desse ecossistema.
Fernanda Possatto: ciência contra os microplásticos nos oceanos

A oceanógrafa Fernanda Possatto sempre manteve uma relação próxima com o mar. Cresceu em Guaratuba, no litoral do Paraná, e surfou durante a adolescência. “Sou do mar, sou do litoral. Quando vi o curso Ciências do Mar, que depois ou a se chamar Oceanografia, sabia que era o certo para mim”, diz.
Durante o mestrado, ao estudar a dieta de peixes, Fernanda se deparou com a presença de microplásticos nos estômagos dos animais — um momento que definiu sua trajetória na pesquisa sobre contaminação dos oceanos. “Esse foi o ponto de partida da minha trajetória no estudo da poluição marinha”, conta.
Microplásticos são partículas de plástico com menos de 5 milímetros de diâmetro, oriundas da degradação de objetos maiores, como sacolas, garrafas e redes de pesca, ou produzidas já nesse tamanho, como grânulos de cosméticos e produtos de higiene.

Atualmente, a pesquisadora integra a equipe do Rebimar, responsável por um levantamento inédito sobre a presença de microplástico na água, em sedimentos e na fauna costeira do Paraná, especialmente aves como atobás, gaivotas e fragatas. As amostras são coletadas na região do Complexo Estuarino de Paranaguá. Os resultados preliminares são preocupantes.
“Já confirmamos uma quantidade bem relevante de animais ingerindo plástico. Também encontramos microplástico em regiões próximas à cidade de Paranaguá e em áreas de preservação ambiental, como Guaraqueçaba”, afirma Fernanda. Segundo ela, grande parte dos resíduos permanece na superfície da água, sendo dispersada conforme as variações de marés e correntes marinhas.
Em áreas onde se formam plumas e espumas, a presença de microplásticos é visível a olho nu. Nessas linhas de acúmulo, a concentração de partículas foi até 23 vezes maior do que nas amostras comuns. “Essas plumas naturalmente concentram mais matéria orgânica e pequenos organismos, que são atraídos pela disponibilidade de alimento. No entanto, também acabam acumulando microplásticos, que podem ser ingeridos por peixes, aves, tartarugas e mamíferos marinhos”, explica.
A poluição por plástico atinge uma escala global alarmante. Estudo publicado em março de 2023 aponta que os oceanos abrigam cerca de 171 trilhões de partículas plásticas, pesando cerca de 2,3 milhões de toneladas. A análise abrangeu dados de quase 12 mil pontos nos oceanos Atlântico, Pacífico, Índico e no Mediterrâneo, e mostrou um aumento “rápido e sem precedentes” desde 2005.

No cenário brasileiro, a situação também é grave. Segundo o relatório Fragmentos da Destruição, divulgado em outubro de 2024 pela ONG Oceana, o país é o oitavo maior poluidor plástico do mundo e o primeiro da América Latina, despejando 1,3 milhão de toneladas de plástico nos oceanos por ano — 8% da poluição plástica mundial.
Grande parte desses resíduos tem origem terrestre, conforme explica Fernanda. “Apesar da contribuição de embarcações, como navios de petróleo e gás, a maior parte dos resíduos vem do uso doméstico e dos frequentadores de praia”, diz.
Os impactos da poluição por plásticos vão além do ambiente marinho, atingindo a cadeia alimentar humana. O relatório Um Oceano Livre de Plástico, divulgado em 2020 pela ONG Oceana, aponta que metade de todos os animais marinhos pesquisados já ingeriram algum tipo de plástico; 85% deles são espécies em risco de extinção.
Na pesquisa coordenada por Fernanda Possatto, 153 aves foram necropsiadas — entre elas atobás (Sula leucogaster), gaivotas (Larus dominicanus) e fragatas (Fregata magnificens). Desses animais, 11% apresentaram resíduos sólidos no trato gastrointestinal. As fragatas tiveram os índices mais elevados: 20% delas continham plásticos, seguidas dos atobás (13%) e das gaivotas (7%).

A despeito de números relativamente baixos, a pesquisadora vê motivo de preocupação. “Mesmo que encontrássemos poucos indivíduos, já seria preocupante. Mas confirmamos uma quantidade relevante de animais ingerindo plástico”, afirma.
Outro ponto de alerta, segundo Fernanda, são as toxinas liberadas pelos microplásticos. “Quando consumimos um peixe, mesmo sem ingerir o intestino — onde os microplásticos ficam concentrados —, existe o risco de absorvermos as toxinas que o plástico libera no organismo do peixe. Esse é um dos maiores problemas em estudo atualmente”, afirma.
Ainda não há um parâmetro internacional que determine um limite seguro de microplásticos na água. “O grande desafio é definir um limite claro, como ‘três microplásticos por litro’, para classificar um ambiente como extremamente poluído”, diz a pesquisadora.
Apesar da falta de um ranking oficial, Fernanda destaca que áreas de estuário, principalmente aquelas sem saneamento básico adequado, são as mais vulneráveis à contaminação.
Sem ações políticas concretas, a quantidade de plásticos despejados nos oceanos pode aumentar em 2,6 vezes até 2040, de acordo com estudo divulgado na Plos One. A produção de plásticos, especialmente os de uso único, cresce em ritmo acelerado, enquanto os sistemas de gerenciamento de resíduos não acompanham essa expansão.
Para Fernanda Possatto, a solução a por diversas frentes, e não apenas pela reciclagem. “A solução envolve diálogo com a indústria química, incentivos fiscais, fortalecimento da reciclagem e educação ambiental”, afirma.
Professora do Instituto Federal do Paraná (IFPR), Fernanda também incentiva a formação de novos pesquisadores, promovendo a iniciação científica de estudantes do ensino médio que participam da coleta e análise das amostras. “Me traz esperança ver as novas gerações engajadas, com brilho nos olhos, entendendo a importância das pesquisas e do impacto positivo que elas podem gerar”, diz.
Estudos indicam contaminação generalizada por microplástico no litoral brasileiro
Imagem do banner: Crianças acompanham soltura de tartaruga-marinha durante atividade de conscientização ambiental. Foto: Gabriel Marchi